Outros países entram e saem de crises, mas Portugal vive nesse estado desde a sua fundação.

Anuncia-se no horizonte uma nova crise económica internacional. Parece que desta vez se deve a: a) Inflação b) Covid c) Guerra d) Passos e) Outra desculpa qualquer.

Uma crise anunciada não é uma verdadeira crise. É como se se recorresse a vaselina. Uma verdadeira crise deve ser à bruta, sem aviso, como a crise do subprime. Essa sim, foi como deve ser: apanhou-nos a todos de surpresa ou, como se diz em vernáculo, “com as calças na mão”.

A grande vantagem de se ser português é que isso não nos afecta, pois nunca saímos do nosso eterno estado de crise. É como se as crises que vêm de fora fossem uma infecção, mas como estamos desde sempre na UCI, ligados à máquina, nem damos por elas.

Outros países entram e saem de crises, mas Portugal vive nesse estado desde a fundação. Tudo começou com o nosso primeiro rei, que achou que bater na mãe era uma boa ideia. Depois, estivemos em crise até conseguirmos expulsar os árabes. Mais tarde, percebemos que tínhamos a pior crise possível: estávamos rodeados de espanhóis! Alguém consegue imaginar uma crise pior do que ter espanhóis por todos os lados? Em desespero de causa, a melhor solução era atirarmo-nos ao mar. E foi isso o que fizemos. Para sair dessa crise de má vizinhança tivemos uma outra ideia, que parecia boa na altura: “Vamos ser amigos dos ingleses”. Uma ideia que só lembraria a alguém que não conhecesse bem os ingleses. Eles lá são amigos de alguém? Mas poderia ter sido pior. Imaginem que os nossos reis tinham desejado ser amigos dos franceses. Se calhar, afinal, os ingleses nem são assim tão maus. Por sermos “amigos” dos ingleses tivemos mais algumas crises, como a do Ultimato, mas conforme já percebemos somos um povo de costas largas, e venham de lá mais essas crises!

Aliás, não há nada mais português do que, perante um novo problema, afirmar: “Não há crise”. Quer isto dizer que Portugal vai um dia sair da crise? Nem pensar! Muita estabilidade e deixávamos de ter com o que reclamar, e um português que não reclama não é português. Outros povos cumprimentam-se com bons dias e boas tardes, nós perguntamos se “está tudo bem?”, ao que o outro responde “vai-se andando”. O “vai-se andando” é uma versão curta e simplificada de, “apesar das minhas doenças reais e imaginárias, apesar de estar sempre teso, apesar desses energúmenos do governo, apesar dos amigos ingleses, eu vou andando, irra!”

Este “vai-se andando” não é uma simples frase. É, na verdade, um modo de vida, uma complexa filosofia pessoal, social e política. Significa que nunca se pára para pensar, vai-se andando. Significa que podia haver maior exigência para com a sociedade, mas vai-se andando. Significa que sabemos que os nossos governantes são medíocres, mas vai-se andando.

O Dr. Costa é um governante “vai-se andando” – daí a sua extrema popularidade. Os seus ministros são escolhidos pela capacidade de empurrar com a barriga, uma variante do “vai-se andando” muito usada pela nossa classe política.

O problema é que, por mais que se pratique o “vai-se andando”, de vez em quando o inconveniente universo conspira contra nós e envia-nos um problema para resolver. Um incêndio, uma pandemia ou uma guerra. A primeira atitude de um governo normal é estudar o problema e tomar decisões. Nós começamos por negar o problema. Depois mandamos o Presidente Selfie dar uma entrevista a dizer que o governo vai anunciar medidas. V m então os ministros que referem algoritmos e outros bruxedos que tais. Quando mesmo assim o povo continua chateado (esses ingratos), o Dr. Costa dá uma entrevista com a sua simpatia natural e usa a fórmula new age do “vai-se andando”, que é o “vai ficar tudo bem”.

Nisso, temos o melhor primeiro-ministro possível, pois nunca se mostra preocupado com nada. O que adianta agora ter um primeiro-ministro que imagina que até poderia resolver crises? Isso só revelaria ignorância sobre a história nacional e seu eterno estado de crise. Está bem o Dr. Costa que, perante qualquer problema, convoca logo uma comissão de estudos que não chegará a nenhuma conclusão e publicará um relatório que não interessa ao menino Jesus. Seria uma atitude antipatriótica, aplicar as conclusões dessas comissões de trabalho e tentar agora resolver alguma coisa.

Por isso, não desesperem. Afinal, vai-se andando.