Como homem de esquerda, cabe-me fazer a defesa do excelente ministro Cabrita, que tão bem serviu o nosso país e que acaba por sair vítima de muitas incompreensões. Agora que o homem está no chão, vêm os cães raivosos dar pontapés, gente que não tinha essa coragem enquanto ele foi ministro.
Eduardo Cabrita esteve de facto envolvido em muitos casos, mas acabou por demonstrar uma qualidade de que agora tanto se fala, a resiliência. Estou muito de acordo com o que disse o nosso excelso primeiro-ministro, quando afirmou que “temos um excelente ministro da Administração Interna”.
Sou desde há muito tempo um grande admirador de Eduardo Cabrita. Descobri-o em 2014, na famosa cena dos microfones no Parlamento. Para quem já não se recorda, Eduardo Cabrita era deputado e presidia a uma comissão parlamentar e Paulo Núncio, então secretário de Estado, tinha acabado de falar. De seguida, Núncio quis acrescentar algumas palavras e Eduardo Cabrita desligava-lhe o microfone repetidamente e proferia frases como: “O senhor secretário de Estado não usa da palavra.”
Para um observador menos atento, a atitude de Cabrita seria lamentável, mas peço a vossa atenção para o facto de que, enquanto impedia Núncio de usar o microfone, se dirigia ao mesmo, sempre respeitosamente, chamando-o pelo título. Temos pois que Cabrita é um senhor de elevada educação.
O ex-ministro voltou a chamar a atenção com as golas antifumo. Mais uma vez, os ressabiados dos jornais caíram-lhe em cima, mas mesmo aqui o ilustre ministro esteve muito bem. Recordo-me da entrevista em que o jornalista o questionava e Cabrita lhe toca no microfone enquanto lhe chama a atenção para o facto de o microfone também ser de material inflamável. Há aqui uma obsessão de Cabrita com microfones, é verdade, mas não desvalorizemos o facto de o ministro ter provavelmente salvo a vida de muitos jornalistas, ao alertá-los para essa perigosidade. Um verdadeiro altruísta.
Mesmo no caso do SEF, o ministro Cabrita esteve bem, esperando nove meses para demitir a directora. Esta demora, que a oposição denunciou como incompetência, a mim pareceu revelar uma extrema ponderação, alguém contrário a tomar decisões precipitadas, mesmo quando as asneiras são mais do que evidentes.
Igualmente demonstrativa da sua premonitória visão política foi a crise que ficou conhecida como “Odemiragate”. Muito se criticou, na altura, a indiferença deste Governo para com as estufas e a utilização de mão-de-obra imigrante. Qualquer outro governante, sem a brilhante visão estratégica de Cabrita, teria ido para Odemira, proibia tudo e colocava a polícia a fiscalizar os produtores. Mas Cabrita soube antecipar o futuro escândalo da líder do PAN e assim não criou mais problemas a Inês Sousa Real, garantindo o continuado apoio deste pequeno partido ao Governo socialista. Claramente, um homem de grande visão.
E agora temos o caso do atropelamento. Mesmo neste caso, em primeiro lugar devemos salientar que havia justificação para o excesso de velocidade. Vinha de uma importantíssima cerimónia de fim de curso de uma escola de guardas e seguia para outra cerimónia de idêntica importância, razões de Estado mais do que suficientes para justificar o excesso de velocidade. Como disse o ministro, “Eu sou passageiro”. Poucos atentaram à verdadeira poesia desta frase que nos recorda que, em tudo na vida, mais não somos do que meros passageiros. Cabrita saiu, mas fê-lo com uma nota poética.
A vida como ministro não é fácil. Mas o nosso estimado Cabrita, que tanto serviu de pára-raios, conseguiu com estas atitudes desviar a atenção de outros ministros de quem nunca ouvimos falar.
Agora que Eduardo Cabrita se foi, prevejo e temo que outros ministros tentarão aparecer e ter algum destaque, mas desconfio que isto pode não ser uma boa ideia. Acho que é positivo para a avaliação deste Governo o facto de não sabermos o que faz a maioria dos ministros.
E como este é o Governo que mais ministros teve, não queiramos saber o que toda essa gente anda a fazer.