Um facto que parece indiscutível é que a nossa população é maioritariamente de esquerda. Os últimos resultados eleitorais apontam nesse sentido. Juntando os votos de PS, PCP, Bloco e Livre, temos 51% dos votos. Não incluí o PAN pois não sei qual o posicionamento deles, desconfio que nem eles próprios o sabem. A grande questão aqui é o que significa “ser de esquerda”. Não duvido que eleitores de partidos como o PCP ou o Bloco sejam claramente de esquerda. Mas será que a maioria dos eleitores do PS são verdadeiramente o que imaginamos como “pessoas de esquerda”?

A recente maioria eleitoral do Partido Socialista foi conquistada sem que houvesse uma só promessa reformista ou alguma ambição declarada de mudar o país para melhor. Foi toda uma campanha cinzentona a prometer mais do mesmo. E era isso que os portugueses queriam: mais do mesmo. O dr. Costa sabe que para continuar nas boas graças eleitorais, o melhor a fazer é não fazer muito. Como diriam os ingleses, “don’t rock the boat”. Claro que este far niente não pode ser completamente assumido e evidente. Convém, de vez em quando, anunciar investimentos na saúde ou na educação. Fica sempre bem. No caso do Governo Costa, toda a gente sabe que esses anúncios não vão dar em nada, mas o bom povo gosta da intenção com que se anuncia. Acredito que, em Portugal, o maior grupo eleitoral é o situacionismo. São os eleitores que querem que o Governo governe e não chateie. Em Março de 1974, nas vésperas do 25 de Abril, Marcelo Caetano foi ao Estádio de Alvalade assistir ao Sporting x Benfica e recebeu uma enorme ovação dos 60 mil espectadores presentes. A grande maioria destes ovacionadores de Caetano, dois meses depois, estaria no 1.º de Maio a dar vivas às novas forças governamentais comunistas. E, claro está, cinco anos depois, esta grande multidão de marxistas deu a primeira maioria à Aliança Democrática.

O eleitor português vota tendencialmente no partido que lhe parece que vai ganhar. Seja de esquerda, seja de direita. Gosta da sensação de estar ao lado dos vencedores. Infelizmente, também há a sensação de que, ao votar no vencedor, estará mais perto do ambicionado tacho que lhe vai finalmente resolver a vidinha.

Considerações à parte, o português vota pela estabilidade, seja de esquerda ou de direita. A maior ambição eleitoral é eleger um governo que não o chateie.

Salazar durou o que durou porque tinha esse “pacto” com os portugueses. Ele tomava conta do governo e da economia e, em troca, os portugueses não se metiam na política. Este pacto permitia aos portugueses irem levando a sua vidinha sem grandes sobressaltos e com a previsibilidade que uma boa família burguesa ambiciona.

Esta é a mesma relação que volta a haver na longa noite cavaquista. Um governo que não chateava e que nos permitia fazer a nossa vidinha. Um povo sem ambição não deseja nada mais do a previsibilidade de um governo estável. O grande orgulho do prof. Cavaco era a rédea curta com que mantinha os ministros e as contas certas ao fim do ano. Era o statu quo salazarista em versão democrática. Somos o povo cuja maior ambição é “arranjar a vidinha”. Qualquer empregozeco pouco exigente e que garanta poucas chatices e estamos satisfeitos. Era só o que faltava se elegêssemos um governo que prometesse mudar muito. Todos sabemos que as coisas não funcionam bem, mas sempre foi assim e, pelo menos, já conhecemos os cantos à casa da miséria actual e sabemos como nos desenrascar.

Como marketeer, entendo que o melhor cartaz eleitoral é um que nunca propus aos meus clientes políticos. Seria um cartaz muito simples, de fundo branco e com um título enorme a dizer “Prometo não chatear” e a fotografia do candidato. Teríamos finalmente um cartaz honesto que corresponderia à grande ambição do eleitorado.

O situacionismo é o nosso triste fado como povo. Sabemos que nunca sairemos da cepa torta a continuar nesse caminho. Um país que está doente mas que recusa os remédios, pois aprendeu a viver na doença.