Saída para a guerra é Kiev prosseguir contraofensiva, diz analista
Para Michael Bociurkiw, a demora demonstrada pelo Ocidente no apoio à Ucrânia “é lamentável e tornou a contraofensiva muito, muito mais difícil” ao impedir que as forças ucranianas pudessem estar noutra fase.
O analista de política internacional Michael Bociurkiw defende que a contraofensiva ucraniana face à invasão russa já estaria noutra fase se o apoio ocidental tivesse sido mais rápido, vendo hoje como única saída para a guerra prossegui-la.
Em entrevista à Lusa quando se assinala um ano e meio da invasão russa, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, Bociurkiw, canadiano, comentador de política internacional em vários órgãos, como a CNN ou a BBC, e parceiro do Eurasia Centre do Atlantic Council, deixou também o alerta de que nem Kiev nem os seus aliados podem contemporizar com o líder do Kremlin, Vladimir Putin, quando este mostra a sua natureza em ataques aéreos contra objetivos civis nas cidades portuárias no sul do país.
De ascendência ucraniana e radicado em Odessa nos últimos meses, Bociurkiw testemunhou alguns destes ataques. “O que está a acontecer é que o mundo começa a ver que a brutalidade russa é uma face real”, lamenta.
A intensificação dos bombardeamentos no sul da Ucrânia veio a par da suspensão da participação da Rússia na Iniciativa de Cereais do Mar Negro, mas também noutras regiões, como em Chernihiv (norte), visada por um míssil no sábado que destruiu uma universidade e o teatro e fez pelo menos sete mortos, incluindo uma criança, além de dezenas de feridos.
As operações aéreas da Rússia sucedem também numa fase em que a Ucrânia prossegue uma contraofensiva, que era esperada no início da primavera, mas que só foi iniciada há dois meses, um atraso justificado por Kiev com a demora das entregas de equipamentos modernos dos aliados ocidentais e que tem levado a progressões lentas das tropas ucranianas rumo aos seus objetivos no sudeste do país e à Crimeia, e enquanto enfrenta investidas russas no leste do país.
Para o analista, a demora demonstrada pelo Ocidente, que já antecipava em declarações à Lusa em abril passado, citando uma conversa que teve com o titular da pasta da Defesa de Kiev, Oleksi Reznikov, “é lamentável e tornou a contraofensiva muito, muito mais difícil” ao impedir que as forças ucranianas pudessem estar noutra fase, subtraindo o tempo que as tropas russas tiveram para preparar vastas linhas de defesa e campos minados impenetráveis para os tanques modernos que entretanto chegaram à Ucrânia.
Os ambicionados caças norte-americanos F-16, apesar da luz verde de Washington, só devem ser disponibilizados no próximo ano.
Em simultâneo, Michael Bociurkiw encontra elementos novos na forma como a Ucrânia trava este conflito, procurando encontrar “as fraquezas russas” e interromper as suas linhas de abastecimento como, por exemplo, através do uso de drones navais contra a ponte de Kerch, na ligação à Crimeia, ou com ataques em solo da Rússia, em que com pequenos meios consegue fazer “uma guerra assimétrica” contra alvos importantes.
“Drones a atingirem alvos na Crimeia ou em Moscovo seria inacreditável há alguns meses”, frisou, comentando que levar a guerra ao solo da Rússia e, de caminho, aos média e ao russo comum, é não só legítimo como – ressalvando que não defende a morte de civis – obriga os habitantes do país vizinho “a ver o que os ucranianos têm de aguentar” com esta sua invasão e mina a credibilidade e popularidade interna de Vladimir Putin.
Apesar dos riscos de uma guerra “congelada”, nos seus lentos avanços e recuos, e da perspetiva de novos bombardeamentos contra infraestruturas vitais ucranianas, como as energéticas, no próximo inverno, à semelhança do que aconteceu no último, Bociurkiw não vê alternativa que não seja prosseguir a guerra, descartando a Rússia como interlocutor fiável numa mesa de negociações, como foi admitido na semana passada por um alto funcionário da NATO, sugerindo a adesão de Kiev à NATO a troco de cedências territoriais, no que foi prontamente desmentido pelo secretário-geral da Aliança Atlântica.
O que torna o fim desta guerra tão difícil, observou Bociurkiw, “é que ela só pode vir com a vitória ucraniana, e não com a Rússia a dizer ‘OK, já chega, queremos um acordo de paz’”. Mesmo que queiram, insistiu, “violaram tantas linhas vermelhas, tantos corredores humanitários, são tantos crimes de guerra que não são confiáveis”.
Este passo também não seria entendido pelos próprios ucranianos, pelo que “as forças russas precisam de ser completamente rechaçadas”, e continua a ser vital o apoio internacional, na forma de sanções, limitação de movimentos de elites russas em países europeus, expulsão de diplomatas, armamento de longo alcance e controlo do espaço aéreo.
Trata-se hoje, e como sempre desde o início da invasão, sustentou, de prevenir que a guerra alastre aos países vizinhos, quando se tem assistido a ataques aéreos a cidades no oeste da Ucrânia, a centenas de quilómetros das frentes de batalha e perto da fronteira com a Polónia, ao treino de mercenários russos do grupo Wagner na Bielorrússia, a escassos quilómetros também de solo polaco, ou aos bombardeamentos do porto de Izmail, junto à Roménia.
“Eles farão tentativas noutros lugares, seja com uma fronteira da Polónia, Lituânia, Moldova, e continuarão a ser uma ameaça, se não militar, numa guerra híbrida ou assassínios de opositores, políticos, jornalistas ou o que quer que seja”, advertiu, lembrando que isso já sucedeu no passado e vai acontecer novamente, e é algo que as nações ocidentais, especialmente as europeias, precisam considerar “com muita seriedade”, porque já “há provas de que os russos estão a tentar empurrar a guerra para lá da Ucrânia”.
O especialista alerta ainda que se começa a denotar um cansaço em relação ao conflito em países como os Estados Unidos, onde se questionam, sobretudo entre os republicanos, as enormes quantidades de dinheiro que vão para a Ucrânia que, ressalvou, muitas vezes nem saem do país porque vão diretamente para a indústria militar, numa narrativa que interessa a Putin e à sua esperança de que uma eventual eleição de Donald Trump nas presidenciais norte-americanas de 2024 mude o contexto internacional a seu favor.
Mas, referiu, não se pode descartar, por outro lado, que o próprio líder do Kremlin seja eliminado por opositores porque, nestes tempos, “coisas estranhas acontecem”.
As pessoas precisam, acima de tudo, de “entender que esta não é só uma luta pelos valores democráticos e por aquilo em que acreditamos”, destacou Bociurkiw, mas também pela proteção do modo de vida, ameaçado pelos preços com o bloqueio alimentar russo no Mar Negro, fatura energética e novos fluxos de refugiados caso se permita à Rússia que a violência se agrave.