Aplauso para quem não pede desculpas por ser quem é nem tenta agradar aos eternos insatisfeitos.

Há aquele ditado que pergunta “por que razão o cão lambe as bolas? Porque pode”. Porque insulta Ronaldo o clube que lhe paga o salário? Porque pode.

Deve ser muito bom poder mandar o patrão àquele lugar, ao vivo e a cores e com transmissão para o mundo inteiro. A sensação de que não se deve nada a ninguém e de que se está a marimbar para a opinião alheia. Grande Ronaldo.

O povo sedento de sangue das redes sociais teve uma semana em cheio com A entrevista. Juntaram-se vários factores neste linchamento, mas o mais evidente foi o ódio a quem tem sucesso.

Gosto do Ronaldo, como jogador e como pessoa. Admiro o seu percurso e a vontade de ferro para chegar onde chegou. Nasceu e cresceu nas piores condições e soube, através da determinação, sair da mediocridade. Sem dúvida que tem talento mas, acima de tudo, tem vontade. Parece arrogante? Talvez, mas boa parte dessa postura é um mecanismo de defesa, perante a matilha de invejosos que aguarda a salivar pelo momento em que ele vai falhar.

Vivemos num país que odeia quem tem sucesso. Portugal é como um balde com caranguejos em que os que tentam sair são puxados de volta para baixo pelos outros. A ideia prevalecente é a de que, enquanto estivermos todos na mediocridade, temos uma desculpa, uma justificação para a nossa falta de ambição. Dizemos a nós próprios que estamos neste estado, não por culpa nossa, mas porque o país é assim.

E se alguém tenta sair dessa falácia há que puxá-lo imediatamente para baixo. O sucesso de alguém vem deitar por terra a nossa crença na mediocridade. Afinal, é possível sair desta situação e isto estraga-nos a narrativa, obriga-nos a olhar para nós próprios e a colocarmo-nos algumas questões embaraçosas.

Noutros países vemos pessoas a terem sucesso e ficamos felizes por elas. Afinal, é a prova de que é possível. Aqui vemos uma pessoa a ter sucesso e inventamos inúmeras desculpas para justificar esse facto. Claro está, nenhuma dessas explicações tem a ver com o seu talento ou a sua capacidade de trabalho. A desculpa é sempre que a pessoa tem cunhas, que roubou ou que pertence a uma sociedade secreta qualquer. E, a seguir, riscamos-lhe o carro e regozijamo-nos com esse pequeno momento triste de prazer. Somos uns miseráveis e queremos que os outros também sejam.

Mas ainda pior é quando essa pessoa de sucesso não vem das pseudo-elites de Lisboa. Vários governantes são gozados como sendo provincianos, como se isso fosse um impedimento. Muitas das pessoas que gozam são, elas próprias, filhas ou netas de matarruanos e têm receio de serem descobertas. Não há maior adepto da Inquisição e da fogueira do que um cristão-novo.

As verdadeiras elites são baseadas no mérito, compostas por pessoas que criaram algo de relevante, que por causa do seu esforço se destacaram na sua profissão ou que, pelas suas qualidades pessoais, são pessoas exemplares.

Conheço algumas pessoas que são assim e uma das características dessa “elite” é não falar mal. Aplicam a máxima de que, se não há nada de positivo a dizer sobre os outros, então mais vale ficar calado. São pessoas que não precisam de puxar os outros para baixo para se sentirem importantes. São raras essas pessoas, mas posso garantir que existem.

Por isso, viva a entrevista do Ronaldo, alguém que não pede desculpas por ser quem é e que olha para este amontoado de medíocres com o olhar de quem os tenta compreender. No fundo, ele está a marimbar-se para o nosso julgamento, seguro do seu valor e sem vergonha de continuar a ser o Ronaldo de sempre, filho da D. Dolores e orgulhoso natural do Funchal. Houvesse mais como ele.