Terá chegado ao fim a capacidade do dr. Costa de nos aplicar o “campo da realidade distorcida”?
Este país é deveras divertido. Nada de muito especial acontece, mas conseguimos inventar crises onde não deveriam existir. Há uma maioria absoluta, não há nenhuma pandemia e as economias dos outros países recuperam. Tudo dentro da normalidade expectável, mas muita normalidade não é do nosso agrado.
O dr. Costa, o melhor prestidigitador do reino, estava a ser criticado por não fazer nenhum. Até aqui, nada de novo. O problema é que, em vez do habitual far niente, o Governo entrou em modo Mister Bean, com uma inacreditável sequência de trapalhadas ministeriais, o que veio perturbar a desejada normalidade. O nosso povo, que não é nada exigente com os seus governantes, só não perdoa quem lhe perturba o sossego. Ora, foi precisamente isso que começou a acontecer e o Governo teve de tomar a dianteira, depois de consultar o focus group.
Todos apontavam a falta de habitação como um problema e o Governo fez o que melhor sabe fazer. Fez uma apresentação com um belo PowerPoint.
Dizem os ingleses, sabiamente, que “it takes one to know another”. Como homem da comunicação que sou, confesso uma secreta admiração pelos talentos do dr. Costa. Eu próprio já fiz muitas apresentações e, mesmo assim, tive de admirar e aprender com o talento expositivo do nosso estimado primeiro-ministro aquando da recente apresentação do programa da habitação.
O dr. Costa já era um talento reconhecido nesse campo dos shows políticos mas, com a apresentação sobre a habitação, o líder socialista subiu, com reconhecido mérito, para a liga dos campeões dos artistas da persuasão. O nosso estimado primeiro-ministro tem uma rara habilidade a que se chama “campo da realidade distorcida”. Esta capacidade, só ao alcance de poucos, permite distorcer o entendimento de quem está no campo de atracção do apresentador. Com este superpoder, o dr. Costa consegue criar a ilusão de que a realidade alternativa é a verdadeira.
O problema do “campo da realidade distorcida” é que o seu efeito “mágico” desaparece alguns minutos depois de o dr. Costa ter acabado a apresentação. Lentamente, o efeito da realidade alternativa volta à realidade verdadeira.
São características dos possuidores deste superpoder, à imagem do dr. Costa, uma retórica carismática, uma vontade inabalável e o desejo de alterar qualquer facto que não se encaixe na desejada narrativa. E sempre com um sorriso. Caso seja mesmo necessário, e em última instância, o “campo da realidade distorcida” também permite mudar de campo e passar a defender o argumento contrário, com a mesma convicção com que se defendia o oposto, ao mesmo tempo se que convence todos de que esse sempre foi o ponto de vista.
Foi isto que vimos na apresentação do “Plano da Habitação”. Devo confessar que fui uma das vítimas do “campo da realidade distorcida” e que, durante a apresentação, via-me a viver num país que, finalmente, tinha resolvido todos os problemas da falta de casas para arrendar. Desejava que a apresentação do dr. Costa não acabasse, pois sentia-me transportado para uma outra realidade, muito mais bonita e agradável. Sempre fui adepto da busca de realidades alternativas. Mas, como homem da comunicação, reconheço e valorizo uma apresentação exemplar. Numa boa apresentação, nem sempre o que conta é o conteúdo. Até porque, no caso do “Plano da Habitação”, metade das propostas eram truques de ilusionista. Qualquer pessoa que conheça o não funcionamento do Estado português sabe que nada daquilo alguma vez funcionará. O Estado, que nem sabe que propriedades tem, que não consegue fazer obras nos seus próprios prédios, propõe-se agora fazer obras e recuperar as casas de terceiros. Foi tudo uma ilusão, foi tudo parte do “campo da realidade distorcida”.
O problema é que, nas horas a seguir, e à medida que o efeito inebriante se foi desvanecendo, as pessoas voltaram à sua realidade não distorcida. E, quando isso aconteceu, ninguém gostou do que viu. E o que o povo viu foi uma mão cheia de nada e uma data de medidas para iludir os tolos. Mesmo o melhor ilusionista chega a uma altura em que acaba por desiludir o público mais fiel. Foi demais, até para o habitual povo manso, cuja única ambição é poder ruminar tranquilamente.
Esta massa de eleitores é demasiadamente permissiva com os seus governantes. Veja-se o exemplo de o eng.º Sócrates ter sido eleito e reeleito, e ainda ter concorrido a um terceiro mandato. E, já depois de ter levado o país à falência, mesmo assim, ainda teve 28% dos votos, ou seja, mais de 1,5 milhões de eleitores que continuavam a acreditar no sr. engenheiro. Já aqui fiz a sugestão de que estes eleitores que votaram três vezes no eng.º Sócrates deveriam ter como castigo uma penalização no IRS. Proponho que subam dois escalões na tabela deste imposto. Já era altura de responsabilizar os eleitores pelas suas escolhas. Do mesmo modo, os munícipes que votam no autarca que “rouba mas faz” deveriam ter a carteira fanada diariamente.
Terá chegado ao fim a capacidade de o dr. Costa nos aplicar o “campo da realidade distorcida”? Tenho dúvidas, mas alimento algumas esperanças.