O amar e servir os outros, a fé que se vive em oposição à fé que se diz e a fé no Amor como única verdade.

No Sermão da Montanha há uma bem-aventurança que sempre me cativou: quando Jesus fala aos seus seguidores e refere “abençoados os pobres de espírito pois será deles o Reino dos Céus”. O Sermão da Montanha é proferido depois de Jesus visitar os fariseus para lhes transmitir a Boa-Nova. No entanto, os fariseus eram “ricos de espírito”, pois sabiam tudo e tinham muitas regras na sua religião, e, como tal, recusaram ouvir Jesus. Quando Jesus retorna à montanha e encontra os seus seguidores, refere-se a eles como “pobres de espírito” pois, ao contrário dos fariseus, estavam disponíveis para ouvir a Boa-Nova e, por isso, seria deles o Reino dos Céus.

Esta passagem sempre foi interpretada como se os pobres de espírito fossem materialmente pobres – uma versão defendida pelos fariseus modernos, gente que tudo sabe e que recusaria uma boa-nova mesmo que esta lhes fosse anunciada hoje. Essa passagem refere-se à diferença entre quem tem mente aberta para ouvir a Boa-Nova e quem tem mente fechada, pois sofre da soberba de achar que tem todas as respostas.

Confesso-me aqui como um “rico de espírito”, pois entre as minhas várias manias está a de achar que sei mais sobre religiões do que muitos amigos que são religiosos. Amigos esses que me acham um mata-frades mas que, com muita paciência, lá me vão ouvindo e perdoando as minhas blasfémias.

Porém, apesar dessa minha militância anticlerical, sinto que se ultrapassou o limite do razoável em termos de críticas à Igreja. Há muita “riqueza de espírito” entre os críticos.

Apesar da minha desconfiança em relação aos padres, sempre admirei alguns leigos católicos. Sinto que a verdade do cristianismo dos primeiros tempos vive verdadeiramente no meio dessas pessoas: o amar e servir os outros, a fé que se vive em oposição à fé que se diz e a fé no amor como única verdade. Se frequentasse a Igreja, de certeza que conheceria alguns padres com estas qualidades, por isso, não julgo o todo por alguns maus exemplos.

Lembro-me do meu tio José Manuel, católico superpraticante mas que nunca me tentou catequizar. Aparecia sempre que pressentia uma dificuldade e, mais do que falar muito sobre o que se deveria fazer, procurava apenas ajudar e ser útil, desaparecendo antes que pudéssemos agradecer. Um verdadeiro cristão.

Poderia referir muitos outros católicos assim, que sempre me serviram de exemplo do bem que a religião faz. Acabei por nunca rejeitar totalmente a Igreja, pois uma instituição que promove e cultiva gente dessa bondade é uma casa que merece o nosso respeito (não que a minha falta fosse muito sentida).

Desgosta-me, pois, ver os ataques de que a Igreja tem sido alvo recentemente. Há, com certeza, críticas a serem feitas, mas há claramente um aproveitamento para se atacar a instituição como um todo.

Sou dos primeiros a criticar alguns comportamentos de alguns membros da Igreja. Não me tem faltado conhecer padres arrogantes, preconceituosos ou intolerantes, mas sei que são uma minoria. Por cada padre desses há centenas de pessoas, como o meu tio, que vivem os ensinamentos de Cristo. Por cada padre pedófilo ou abusador há centenas de pessoas que vivem para promover o bem. A instituição são as pessoas e há muito mais pessoas boas na Igreja do que essas ovelhas ronhosas.

Espero e faço votos de que esta seja uma ocasião para cada um olhar para si e ver onde poderá melhorar. Como pessoa, como instituição e como sociedade.

Nunca fui perfeito e já cometi muitos erros ao longo da minha vida. Alguns graves, outros que me envergonharam. Senti sempre o amor do perdão à minha volta e mãos amigas que me ajudaram a reerguer-me. Sempre foi mais difícil perdoar-me a mim próprio do que sentir que os outros me julgavam. Não sou da Igreja mas, nestas alturas, também não sou dos que se querem aproveitar para lhe fazer mal. No balanço de dois mil anos, há mais bem do que mal na sua história. É preciso saber respeitar isso. Até para um mata-frades como eu.