O Chega é um partido de protesto, de gente que é do contra tudo e que se suicidará no dia em que for parte de uma solução governativa.
É claro para muita gente que André Ventura é um personagem que o próprio criou e que tão bem representa. Como suposto líder de um partido extremista, Ventura faz bem o papel de indignado com os ciganos, furioso com os políticos e nacionalista como ninguém, desde Salazar.
Mas, como qualquer observador mais atento já percebeu, André Ventura é tudo menos um facho furioso. Ventura é um político de carreira que começou e sonhou fazer carreira pelo PSD e que, a certa altura, percebeu que teria mais mercado fundando outro partido. No PSD seria apenas mais um boy que, com um pouco de sorte, um dia seria mais um secretário de Estado que surgiria e desapareceria sem deixar obra ou memória. O percurso político expectável de Ventura nos próximos anos será crescer e suavizar o discurso para que seja aceitável numa futura coligação com o PSD. Montenegro sabe-o e evita rejeitá-lo completamente.
O problema de Ventura é o monstro que ele criou, o partido Chega. Embora o perfume do poder possa amainar a fúria de muitos dos seus membros, o problema será sempre os que estão no partido por serem antipoder. O Chega é um partido de protesto, de gente que é do contra tudo e que se suicidará no dia em que for parte de uma solução governativa. O Chega é um partido de treinadores de bancada que gostam de mandar umas bocas e que nunca se enquadrarão num lugar onde têm de tomar decisões e viver com as consequências dessas mesmas decisões.
Ainda esta semana, Ventura veio propor que o subsídio de 125 euros passasse a permanente – uma proposta curiosa da parte de quem sempre criticou a subsídio-dependência, mas a coerência nunca foi o forte do Chega. Feitas as contas, esta proposta custaria milhares de milhões de euros ao Orçamento. Claramente, é uma proposta para brilhar na capa do Correio da Manhã, mas que é impossível de ser aplicada. Obviamente que a proposta vai conquistar alguns votos dos mais incautos, dado sermos o país da Europa com o nível mais baixo de literacia financeira.
Haverá sempre lugar para um partido como o Chega. Nesta forma ou noutra, com este nome ou outro, haverá sempre um partido do contra. Tirem o cavalinho da chuva aqueles que sonham com o seu desaparecimento. Pergunto-me se André Ventura consegue dormir descansado sabendo do monstro que criou. Não deve ser fácil passar o dia com alguns dos membros do seu grupo parlamentar. Dá ideia de que, na altura da composição das listas, não havia muito por onde escolher.
Gosto particularmente do deputado Pedro Pinto. Para quem não reconhece o nome, é o deputado que está sempre ao lado de Ventura no Parlamento e que olha para o líder com um ar embevecido, sempre que o mesmo grita “Vergonha! Vergonha!”. Normalmente, e como é de timbre deste grupo parlamentar, o deputado Pinto acompanha as intervenções do líder com vários gestos, nenhum dos quais dignificantes.
A valorização da arte mímica terá sido a maior contribuição do Chega para as artes parlamentares. Tanto é assim que desconfio que os deputados do Chega ensaiam em grupo os gestos que usarão no plenário. Imagino um curso gestual ministrado pelo mais expressivo desses parlamentares, o deputado veterinário, que esta semana fazia corninhos no Parlamento. Habituado a lidar com animais, o referido deputado sente-se em casa neste grupo parlamentar.
O único que ainda mantém alguma dignidade é o deputado Mithá que, segundo contam os jornais, levou uns tabefes de um colega deputado. Talvez tenha levantado algumas reservas à falta de decoro dos seus colegas e, por isso, levou logo com um par de correctivos na fronha. Desde então tem estado muito silencioso, mas sentimos no seu olhar um pedido de ajuda característica dos reféns de bullying. Salvem o deputado Mithá.
É todo um mundo novo que este partido veio revelar-nos. Há uma nova forma de estar na política e no Parlamento. O problema é que os comediantes não se transformam em deputados por estarem no Parlamento mas, ao contrário, o Parlamento é que acaba por se transformar num circo pela presença dos comediantes.