O nosso Presidente declarou que quando estivesse no Catar faria declarações sobre os direitos humanos. Que ele faria declarações, não é nenhuma surpresa.

Marcelo I, o Viajado, deslocou-se ontem ao Catar. Muito tem viajado o nosso Presidente. Já se comenta que a diferença entre Deus e Marcelo é que Deus está em todo o lado e Marcelo estará. Acho sempre bem as visitas presidenciais que melhorem as relações entre países. Não é o caso.

Antes da viagem, o nosso Presidente, no seu estilo habitual de tudo comentar e nunca se calar, veio criticar a falta de respeito pelos direitos humanos no Catar. Em linguagem futebolística, foi um golo contra, só que, neste caso, o jogador achou que estava a marcar um golo a favor. As declarações presidenciais foram ao VAR e chegaram aos ouvidos do xeque catari, que imediatamente chamou o nosso embaixador para lhe dar explicações. Foi um cartão amarelo. O pobre embaixador lá teve de ouvir poucas e boas mas, numa grande vitória diplomática, conseguiu que o xeque não cancelasse a visita do nosso Presidente. Em palavras que se imortalizarão nas relações luso-cataris, o xeque acabou a audiência ao nosso embaixador com a sentença: “Já temos muitos camelos cá. Mais um não fará diferença.”

E, assim sossegada a crise diplomática, lá foi o nosso Presidente, não sem antes prestar declarações à saída do Palácio de Belém, dar uma entrevista a caminho do aeroporto, comentar a actualidade à chegada ao aeroporto, fazer umas declarações no portão de embarque, ter feito a viagem de avião agarrado ao microfone do pessoal de cabina e a comentar o voo para todos os passageiros que, em desespero, tentaram sequestrar o avião para que conseguissem fugir ao infatigável matraquear marceliano.

O nosso Presidente, dando razão aos nossos temores, declarou que quando estivesse no Catar faria declarações sobre os direitos humanos. Que ele faria declarações, não é nenhuma surpresa. Fará declarações sobre os direitos humanos, sobre o governador do Banco de Portugal, sobre as virtudes do governo Costa e umas declarações finais sobre o andamento do “Big Brother”. Será Marcelo a ser Marcelo. Tenho pena que ele tenha deixado de dar notas nas suas avaliações e comentários. Seriam uma maneira de António Costa, finalmente, ter boas notas.

Segundo o nosso Presidente, a viagem destina-se a apoiar a nossa selecção. E, nisso, o nosso mais alto representante é inigualável. Reparei que durante o jogo, quando os espectadores estavam silenciosos, ouvia-se sempre o nosso Presidente a falar, o que transmitiu conforto e incentivo aos nossos jogadores em campo. Notou-se, no entanto, que os jogadores evitavam estar na parte do campo mais próxima da bancada presidencial, provavelmente para não terem de ouvir a análise ao vivo do nosso Presidente, o que poderia distraí-los e desestabilizá-los.

Vejo em Marcelo do Catar alguns traços de Lourenço da Arábia. O desobedecer às ordens oficiais, o cavalgar de frente para os seus inimigos ou críticos e a solidão de quem se sente incompreendido pelas suas acções. Continuando nas metáforas do deserto, espero que este mandato não seja areia a mais para a camioneta do nosso estimado Presidente.

Mas, se este texto vos pareceu uma crítica, podem tirar o camelo da chuva. Sou e sempre serei um firme apoiante de Marcelo Rebelo de Sousa. Somos ambos de Cascais e admiro o seu savoir-faire. Depois do boliqueimense, sinto-me finalmente bem representado pelo actual Presidente, que sabe estar, mas que, ultimamente, não se sabe calar.

Voltando à referência de Cascais, lembro-me sempre das “tias” que me diziam: “Se o menino não tem nada de interessante a acrescentar, cale-se.” E, seguindo este conselho, calo-me aqui.