A reacção das pessoas à covid reproduz o universo das preferências partidárias ou clubísticas. Como sempre, há muito maniqueísmo na maneira como cada um encara a pandemia. Com isto, quero dizer que aqueles que logo no início da pandemia decidiram que isto era um complot continuam até hoje convictos disso e não há nenhum estudo científico que os faça mudar de opinião.

No campo oposto temos os “coronapussies”, que passam o dia agarrados às notícias, à espera de uma nova variante misteriosa que ainda está por vir e que nos matará a todos.

Sobre os primeiros, os negacionistas, já não há muito a acrescentar. Vivem numa realidade alternativa, alimentados por informações marteladas, difundidas em grupos secretos nas redes sociais. São grupos que se auto-alimentam e conseguem distorcer qualquer informação. Em termos dogmáticos estão ao nível das Testemunhas de Jeová, na defesa da sua narrativa. Mas, pelo menos, já deixaram de acreditar que beber lixívia mata o vírus.

De vez em quando recebo uma dessas mensagens de um amigo mais proselitista do negacionismo. Normalmente ignoro as mesmas, mas ocasionalmente dou-me ao trabalho de fazer uma pequena pesquisa e rapidamente concluo que a informação partilhada não tem qualquer credibilidade. Se for num dia em que estou com mais paciência, aponto os factos a esse meu amigo negacionista. Normalmente, do outro lado deixa de haver resposta.

Mas, enquanto os negacionistas são perigosos, no outro lado do espectro, os coronapussies não cessam de me surpreender. Já pensei em reunir numa divertida colecção todos os esforços que esses paranóicos fazem para evitar a covid.

Essa lista teria vários níveis.

No nível 1 teríamos algumas medidas de protecção aceitáveis: andar sempre de máscara na rua e com o gel no bolso; não tocar em nada fora de casa; ao chamar o elevador, usar as chaves para pressionar o botão. Neste grupo ainda se cumprimentam os conhecidos com um toque (muito rápido) de punhos cerrados. Este foi o grupo que foi a correr esgotar o stock de papel higiénico nos supermercados.

No nível 2 teríamos os que limpam as compras do supermercado com álcool e à entrada da casa, numa área de “descontaminação”. Conheci um que fazia as compras online e pedia que fossem entregues ao fim do dia, para poderem ficar a noite toda do lado de fora da porta e assim matar o bicho. Neste grupo, evita-se qualquer contacto quando se encontra um conhecido. Quando muito, um toque de sapato com sapato.

No nível 3 já as cautelas começam a ficar mais sofisticadas. Na rua, andar sempre de máscara dupla (uma máscara cirúrgica e outra bico-de-pato por cima). Neste nível já não se cumprimenta ninguém, pois não é permitida a aproximação, mantendo-se sempre uma distância saudável.

No nível 4 já não bastam duas máscaras. Também convém usar a viseira e luvas. Neste grupo, o uso de spray nasal antivírus também teve os seus adeptos. Os cidadãos deste nível foram os primeiros a deixar de ir às lojas de chineses e consta que ainda mudam de passeio quando se aproxima um asiático.

Ao nível 5 já só poucos chegaram. Aqui, a questão das máscaras quase não se coloca, pois a regra é nunca sair à rua. Caso seja mesmo necessário sair, para, por exemplo, ir às compras, o uso de máscaras e luvas é obrigatório. Uns, mais aplicados, até usavam cera nos ouvidos para não dar qualquer hipótese ao vírus de entrar. Deste grupo, também faz parte o desesperado que não podia voltar ao trabalho presencial, pois poderia ter de usar a casa de banho da empresa e, nesse caso, o vírus poderia entrar por um dos orifícios que estariam desprotegidos no momento da aflição.

Haja antidepressivos para tanta paranóia. Entre os coronapussies e os negacionistas, cá vou tentando manter a minha sanidade.