Gostaria de comentar o último jogo da selecção nacional, mas os editores deste jornal pedem-me textos mais no âmbito da actualidade cultural ou política, pois estamos na revista do jornal, e não no caderno de actualidades. É pena. Queria malhar no desempenho da nossa selecção. É verdade que pouco percebo de futebol. No entanto, a ignorância nunca foi impedimento para se opinar.
Mas, como tenho de falar de política, então aqui vai. A selecção de futebol é o espelho da nossa realidade política: um país com muitos talentos, governados por um técnico sem ambição. Um país que acha que empatar é uma vitória moral nunca será um país da primeira divisão das nações.
Os jogadores nacionais são o reflexo do português que, quando emigra, tem sucesso, pois encontra uma cultura virada para os resultados. Já quando retorna ao seu país, encontra líderes que lhe dizem para não sonhar, que basta a mediocridade, usando como argumento “sempre fomos pequenos e servis, não venhas agora com ideias estrangeiradas de ambição, conforma-te com o empate”.
Vivemos num país de medrosos que acham que o Estado vai ampará-los e preferem não questionar o statu quo. Acabam todos na miséria das reformas, depois de viverem uma vida inteira com salários indignos. Mas, olhando à volta, vêem que os outros estão todos na mesma situação e acabam por se conformar com os empates da vida.
Os (poucos) que defendem Fernando Santos arremessam dois argumentos: a vitória no Europeu e a sua simpatia pessoal.
Relativamente à vitória no Europeu, começa a assemelhar-se a quando nos baseamos nos Descobrimentos para justificar a grandeza de Portugal. O passado é importante, mas quem vive do passado são os museus. Neste caso, o passado é apenas uma forma de anestesiar um presente medíocre. Nos Descobrimentos, os portugueses corajosos e empreendedores zarparam todos para outras paragens. Nós somos descendentes dos medrosos que por cá ficaram a criticar, somos herdeiros dos Velhos do Restelo.
Relativamente à simpatia pessoal do técnico nacional, ninguém a põe em causa. Mas nisso poderíamos ser um pouco mais alemães. Um germânico está-se a marimbar para a nossa opinião sobre ele, não faz o mínimo esforço para agradar. Na sua maneira de ser teutónica, o alemão acha que a opinião que possamos ter sobre ele é problema nosso e, portanto, não o afecta. Os povos do norte da Europa não têm esse complexo dos serviçais que tentam agradar a qualquer custo. No fundo, eles sabem que o que conta são os resultados e que, com os resultados, vem a aceitação e a popularidade. Se bem que no futebol não há direitos adquiridos, mesmo o canhoto mais CGTP acha que o técnico deve ser despedido sem apelo nem agravo.
E não deixando a cultura de lado, poderíamos chamar à nossa actual selecção “11 jogadores em busca de um autor”. Uma peça de teatro um pouco confusa, pois seria da corrente pós-modernista, no sentido em que a história não seria linear. Seria mais um conjunto de pequenas histórias que, vistas no seu todo, pareceriam uma história única. Uma selecção fragmentada em busca de um roteiro narrativo.
O carácter português adapta-se bem a estas narrativas, pois elas apelam à nossa falta de organização e à incapacidade de trabalharmos em conjunto. A selecção nacional é um conjunto de talentos sem um fio condutor. Uma versão pós-modernista de uma equipa de futebol. O problema de ser pós-moderno é que jogamos com outras equipas que ainda estão na fase do realismo. E, contra essas equipas, começamos no género lírico e acabamos no género dramático. Para o resto do mundo, a sensação que deixámos foi de impressionismo. Neste caso, de mau impressionismo.
E pronto. Não escrevi sobre futebol. Só sobre política e cultura.