Este ano ficará para a história da relação entre Saúde e Ambiente. A conferência das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (COP-28) terá, pela primeira vez, um dia dedicado à profunda relação entre Saúde e Ambiente, estando planeada uma reunião entre ministros da Saúde, de forma a realçar esta ligação umbilical.
A região da África Oriental é um bom exemplo do impacto que as alterações climáticas têm na saúde. A malária e a cólera já eram um problema na região. Em Março deste ano, o ciclone Freddy, caracterizado pela extraordinária duração e intensidade com que assolou a região, produziu impacto negativo sobre a evolução destas doenças. A destruição dos sistemas de saneamento e abastecimento de água potável, bem como o condicionamento das cadeias de abastecimento alimentar, tornaram Moçambique e o Maláui bastante mais vulneráveis àquelas doenças. São dois dos vários exemplos que demonstram os graves impactos das alterações climáticas na saúde das populações.
De facto, já em 2016 a Organização Mundial de Saúde referia que uma em cada quatro mortes a nível mundial podem ser atribuídas a ambientes pouco saudáveis, sendo as principais causas a poluição atmosférica e o deficiente acesso à água potável. Estima-se que as alterações climáticas contribuam com um adicional de 250 mil mortes por ano, devido ao aumento das doenças gastrointestinais, malária, insegurança alimentar e efeitos das ondas de calor. Este cenário agravará os círculos viciosos de pobreza-doença, contribuindo para a diminuição da coesão social. Nunca é demais relembrar: os países mais atingidos pelos efeitos das alterações climáticas são precisamente aqueles que menos preparados estão para estes fenómenos e que têm maior proporção de pessoas em situações de pobreza.
É importante discutir a intersecção entre Saúde e Ambiente e as suas implicações, tal como a forma de tornar as comunidades mais resilientes. O reconhecimento do nexo entre as alterações climáticas e a saúde deve dar lugar a consequências práticas, mas de nada servirá se não for acompanhado de políticas verdes e do investimento em sistemas de saúde capazes de responder aos desafios do futuro.
A OCDE apelou recentemente para que os países investissem nos seus sistemas de saúde, de forma a conseguirem responder melhor aos futuros desafios. Este investimento deve estar canalizado para acções de prevenção em saúde, saúde digital e na formação e retenção dos profissionais de saúde. Estes apelos não são novos. A organização emitiu, há sete anos, um parecer semelhante, onde indicava que o investimento nos profissionais de saúde era essencial para manter os sistemas capazes de dar resposta a choques, com o efeito virtuoso de estimular a economia. A mensagem é simples e coerente: precisamos de investir na saúde e nos profissionais, de forma a tornar o ecossistema de saúde capaz de responder aos novos desafios, incluindo as catástrofes causadas pelas alterações climáticas.
O investimento em saúde produz sempre retorno. No caso do nosso SNS, estima-se que no ano passado, tenha sido de quase 8 mil milhões de euros, mais 300 milhões que em 2021. Tornar o país mais resiliente contra as ameaças futuras e ainda conseguir um enorme retorno financeiro? Como não tomar esta opção?
Para ser de acesso equitativo e centrada no cidadão, a saúde deve estar em todas as políticas. Estima-se, porém, que apenas 0,5% dos gastos em prevenção ou mitigação das alterações climáticas foram aplicados no campo da saúde. É manifestamente pouco para um sector tão essencial para o nosso bem estar colectivo.
A delegação portuguesa à COP-28 tem a obrigação de aproveitar esta oportunidade histórica e defender uma melhor colaboração e cooperação internacional neste domínio. O acesso a recursos e conhecimento deve ser partilhado. As dinâmicas de poder e as desigualdades históricas que os condicionam devem ser desmanteladas. Estamos juntos no mesmo planeta e a saúde é um bem universal a que todos têm direito.