Os integrantes do afamado grupo musical O Trio Calafrio descansavam, a beber umas minis e a comer uns tremoços, após mais um show. Foi um espectáculo muito especial, que até teve a presença de um artista estrangeiro.

Os integrantes do trio, o Sousa, o Silva e o Costa, descomprimiam animadamente e davam os parabéns uns aos outros. “Parabéns, Costa”, “Parabéns para ti também, ó Sousa”, “E parabéns também ao Silva”, “Parabéns ao Costa e ao Sousa”, e assim continuaram durante uns minutos, em autocongratulação em circuito fechado e repetitivo.

Os artistas são assim, gostam muito de elogios e, quando ninguém os elogia, elogiam-se mutuamente. Reinava um ambiente de descontracção e já estavam a entrar no tempo das piadas mais boçais. Já se tinham felicitado entre si, já tinham falado de futebol e agora iam mandar umas bocas sobre política.Neste último show, o Silva, que é o baterista, teve direito a algum destaque próprio, fazendo um solo que encantou a parte do público que nada percebe de baterias. Silva encheu o peito, fez cara de zangado e, furiosamente, castigou os tambores, crente de que assim assustava os maus espíritos que chegavam ao palco. Ao mesmo tempo, agradecia esta oportunidade para mostrar à plateia que ele, com uma baqueta, metia todos na ordem.

Perante o solo de bateria do Silva, o público fingia partilhar a indignação enquanto topava a milhas que havia ali uma agenda escondida. Talvez o Silva sonhe lançar um álbum a solo ou talvez queira, no futuro, abandonar a vida artística levando consigo a fama de “El Gran Macho”, que não tem medo de ninguém e que, se for preciso, atira a baqueta ao público depois do solo. Enamorado de si próprio e da sua actuação, não cabia em si de contentamento e fingia uma falsa modéstia perante os cumprimentos.

– Vejam lá que eu até sou um gajo gelado.

E o público derretia-se perante o falso gelado.

Já o Sousa, que era o vocalista da banda O Trio Calafrio, por um momento ficou em segundo plano, deixando as luzes destacarem o Silva. Este “ficar em segundo plano” é um comportamento anormal no Sousa, habituado a ser o centro das atenções e a dar entrevistas sobre tudo e sobre nada – e normalmente, quando tudo comenta, parece uma colecção de nadas. Mas, desta vez, talvez por saber que estava a ser filmado, o Sousa deixou o Silva enterrar-se com umas piadas politicamente incorrectas. Desconfio que foi o próprio Sousa, conhecido pela maldade, que pediu a um amigo para filmar à socapa e assim acabar com o protagonismo do Silva.

O Silva acabou a fazer piadas sobre uma parte do público que não estava para aturar o artista estrangeiro e, assim, não assistiu ao seu solo de bateria.

Havia no baterista uma nota de mágoa por uma parte do público não ter assistido ao momento alto da sua carreira. Sentiu que o seu talento, em que, solitariamente, sempre acreditou, não estava a ser devidamente apreciado. Já bastava a parte do público da jaula, que dá puns e manda uns arrotos em público. Esses são boçais e incapazes de apreciar um artista da bateria. São uma gentinha que, em termos de alta cultura, consome o “Big Brother” e o “Preço Certo”. O baterista atira-lhes com as baquetas e congratula-se a si próprio pela demonstração de coragem.

No meio desta confraternização descontraída, olho atento aos espectadores, notou que o guitarrista do Trio, o Costa, tentou ficar à margem. Mandava umas bocas sobre se estava calor ou não que qualquer analista percebe que se estava a referir ao Silva e ao facto de já estar queimado. O guitarrista Costa é um músico muito versátil, capaz de tocar em diferentes estilos. Conforme a audiência, podemos ter um solo de guitarra de fado ou de chorinho. Tanta versatilidade confunde o público, que ainda não percebeu qual o ritmo que ele prefere.

Alguns críticos desconfiam de que o guitarrista Costa está prestes a assumir uma carreira clássica, com enfoque nos compositores europeus, especialmente os barrocos. Correm rumores de que, incentivado pelo Sousa, o Costa vai tocar uma peça de Johann Sebastian Bach, a “Tocata e Fuga”. Há ainda o pormenor de, sendo ele guitarrista, ter dificuldade em executar um concerto para órgão. Mas o Costa é um artista que nunca parou de nos surpreender e com certeza terá na manga algum truque para conseguir esse feito.

O Trio Calafrio está um pouco desgostoso por o grande show com o artista estrangeiro ter sido ofuscado por um vídeo maldoso, mas promete continuar a sua tournée, para mal dos nossos pecados.