A mosca na parede reporta a reunião na residência do Primeiro-Ministro.
A reunião na residência do primeiro-ministro já durava há umas horas. Era o “Gabinete de Crise” que estava reunido. Antigamente tinha o título de Gabinete de Comunicação mas, dada a quantidade de falhas na comunicação, tinha adoptado essa nova nomenclatura.
Discutia-se uma maneira de escapar aos ataques da oposição, todos os dias com casos e casinhos. A estratégia do questionário com as 36 perguntas não tinha corrido bem. A oposição maldosamente disse que um trafulhas não teria problemas em responder positivamente ao questionário, o que derrotava o propósito de responder às perguntas. Na altura parecia uma boa ideia, mas não houve tempo de a testar no focus group e deu asneira.
O Presidente, no seu habitual maquiavelismo, veio logo sugerir que os actuais membros do Governo dessem o exemplo, respondendo ao questionário.
E, pior ainda, vêm os engraçadinhos de um jornal e propõem enviar as perguntas aos ministros. Bons tempos em que os jornais dependiam do subsídio do Governo. Agora estão uns assanhados. Valha-nos a RTP, que ainda consegue fazer um telejornal só com boas notícias sobre os ministros.
Mas a situação prometia piorar ainda mais. Era urgente encontrar uma estratégia para desviar a atenção dos jornais e do povo. O secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro sugeriu puxar pelos contratos do escritório de advogados do líder da oposição. O problema é que esse assunto já tinha sido puxado muitas vezes e não rendia indignações nas redes sociais nem editoriais nos jornais. Era preciso um assunto mais cabeludo. Que falta faz o gato Zé Albino para entreter os jornalistas.
Um dos assessores do primeiro-ministro sugeriu deixar cair um escândalo qualquer com um dos deputados do Chega. Pela pinta deles, deve haver muitas histórias mal contadas.
Ao ouvir esta sugestão, o nosso primeiro enfurece-se:
– Ó rapaz, ainda não percebeste que não atacamos o Chega? Um Chega a crescer é o seguro de vida numa próxima eleição.
O assessor remeteu-se ao seu silêncio habitual, que lhe dava um ar misterioso e inteligente.
Foi a vez de um dos inúmeros adjuntos avançar com a sua ideia:
– E que tal uma conferência de imprensa em que o senhor anuncia uma baixa de impostos ou um novo subsídio de ajuda às pessoas?
– Ó rapaz, um governo socialista baixar impostos? Onde é que já se viu? E já não há dinheiro para distribuir, isso foi no ano passado, pois tínhamos arrecadado impostos a mais. Bons tempos.
A situação começava a ficar complicada. Nem um escândalo da oposição para desviar a atenção.
O problema é que os socialistas são governo há tanto tempo que já não há escândalos novos com o PSD. No máximo, uma historieta de um autarca com cola nos dedos, mas nada de muito sumarento. O país todo está pintado de cor-de-rosa. Se houver escândalos, por exclusão de partes, serão sempre socialistas.
Mas, subitamente, um dos adjuntos lembra-se de que nem todo o país é socialista. Há uma aldeia chamada Lisboa que resiste. Está encontrada a solução! O primeiro-ministro fica entusiasmado e começa a dar ordens:
– Arranjem-me uma história com o Moedas!
O adjunto lembra-se da Jornada Mundial da Juventude e de que o palco custaria 6 milhões.
O nosso primeiro exulta:
– Perfeito. Mete dinheiro, obras de última hora e, com jeitinho, ainda entalamos o Marcelo. Ele vai aprender a não fazer gracinhas com o “Questionário para Ministros”.
Mas o adjunto ainda não está convencido:
– Mas, sr. primeiro-ministro, quem aprovou o projecto foi o governo socialista e a Câmara de Lisboa, que era socialista na altura…
– Dizemos que esse não era o nosso projecto!
– E qual era o nosso projecto?
– Não havia. Assim, podemos sempre criticar este projecto, pois eles não podem criticar o nosso. Nunca foi feito. Brilhante!
O adjunto, já muito preocupado, lembra que o Governo vai gastar o dobro só para a iluminação e som desse evento. Mas o nosso primeiro não se deixa convencer:
– Ó adjunto, isso não interessa nada. Vamos entalar o Moedas e o Marcelo. E quando os jornalistas perceberem que podem criticar a Igreja, vamos ter os jacobinos todos a escrever artigos de opinião furiosos. Aposto que deixam de falar das trapalhadas do Governo em dois tempos.
E assim ficou decidido. Só faltava vazar a informação para um jornal insuspeito.
– Está lá? É do Observador?