Mais uma vez a nação se levanta na defesa do bom nome de Portugal. Desta feita, por causa das afirmações de um comediante sul-africano, Trevor Noah de seu nome.

E o que disse de tão insultuoso o sr. Noah? Nada de especial. Apenas se referia à nova lei que impede contactos entre empregador e empregados depois do horário laboral. O comediante até estava, de certa maneira, a elogiar essa peregrina lei. Mas, no fim da sua alocução, o sr. Noah disse em tom jocoso que esta lei iria diminuir a produção em Portugal e, de seguida, questionou-se sobre quais os produtos que iriam desaparecer do mercado, dado que não conhecia nada produzido nesse país. O que foi o homem dizer. Logo se levantaram inúmeros patriotas de sofá e das redes sociais a criticar o comediante por esta ofensa de lesa-pátria.

Somos um povo muito sensível à opinião dos estrangeiros. Qualquer crítica de somenos e une-se a nação contra eles. Por outro lado, qualquer elogio a Portugal num jornal de segunda, mas estrangeiro, é partilhado orgulhosamente por quase todos os portugueses. Já em tempos os finlandeses disseram que nós não trabalhávamos muito e lá se levantou a nação em coro, ripostando que somos um país com 900 anos e que descobrimos meio mundo e blá-blá-blá. Sempre a mesma lengalenga em defesa de Portugal. Ofendemo-nos com pouco. E, principalmente, damos demasiada importância à opinião dos estrangeiros. Que o Trevor Noah desconheça o que se produz em Portugal é um problema dele. Aliás, a opinião dos estrangeiros sobre Portugal é um problema deles.

Experimentem escrever um artigo a falar mal do Reino Unido, por exemplo. O mais provável é que, lá, ninguém vá dar a menor importância. Do alto do seu orgulho, um britânico até é capaz de se rir da nossa opinião, considerando-a apenas o ponto de vista de um terceiro-mundista e, como tal, sem qualquer relevância.

Temos de desenvolver esse brio e essa dignidade que tornam igualmente irrelevantes as opiniões de um comediante sul-africano ou de um primeiro-ministro holandês que acha que não queremos trabalhar.

Vemo-nos muito como um país pequeno e sensível. É verdade que não somos um país gigantesco, nem em tamanho nem em recursos, mas temos mais peso no mundo do que muitos países de similar dimensão. Temos uma série de contribuições relevantes para a história mundial, no passado e no presente. Se não fôssemos sempre tão autodepreciativos, conseguiríamos notar isso. Há muitos países de tamanho próximo do nosso na Europa que não têm metade da relevância que Portugal teve no passado e ainda consegue ter em várias áreas no presente.

Temos em Portugal uma cultura muito especial de saber viver e apreciar a vida. Uma cultura humanista de compreensão e universalismo. Vamos deixar-nos destas conversas de complexados e assumir que somos um povo que consegue o que quer quando se mentaliza para isso. Utilizando uma expressão anglo-saxónica, we punch above our weight. Nisso, somos um povo especial, que do nada faz coisas fantásticas. Deixámos de acreditar nas nossas capacidades, mas podemos ver isso como um pequeno hiato na nossa longa história de povo com coragem e fé na sua vontade de realizar. Só é pena a classe política que nos calhou no presente, gente sem visão nem ambição. Gestores das misérias, distribuidores de migalhas. Mas, com um maior grau de exigência, também isso é mutável.

O bom de ser português é que sabemos que a nossa única ameaça, o nosso único inimigo somos nós próprios enquanto crentes na nossa incapacidade de mudar e melhor fazer.

Não dou vivas a Portugal, que não precisa. Dou vivas aos portugueses.