Andam muitos maluquinhos à solta. Eu já sofro de incompreensão na área automobilística ao manter-me fiel ao meu inigualável Renault Vel Satis, com o seu fabuloso motor V6 de 3500 cc a gasolina e o seu conforto ímpar. Os meus amigos moderninhos só me falam em carros eléctricos e eu penso sempre que se estão a referir aos carrinhos de choque da saudosa Feira Popular. Afinal de contas, é natural que gente que andou nos últimos anos em sofríveis motores a diesel, sem nunca ter percebido que estes são apenas adequados a camionetas, se encante hoje em dia com motores a pilhas. Gente que fica surpreendida com a aceleração dos carros eléctricos é porque nunca sentiu um V8 a gasolina a desenvolver e a cantar. Não há substituto para a força do torque de um bom motor.
A emoção de abrir o capô do carro para ver um grande motor é uma sensação inigualável que deixa qualquer homem com uma lágrima no canto do olho. No meu caso, como o meu carro é um Vel Satis, acabo por abrir muito o capô, embora quase nunca pelas melhores razões. Não é por acaso que a alcunha do meu bólide é “O Maestro”: passa a vida no conserto.
Essa rapaziada dos motores eléctricos deve ser a mesma que foi a correr deitar fora os discos de vinil e CD assim que apareceu o famigerado MP3. Devemos sempre desconfiar de quem troca a qualidade pela conveniência. Se, nos automóveis, já sou uma ave rara que se emociona quando abre o capô, na música, então, ainda pior, ao manter-me fiel ao vinil e ao prazer de comprar um disco físico. Acho que a música merece algum respeito e que devemos parar, escolher um disco e ouvi-lo do princípio ao fim, numa boa aparelhagem. No entanto, como não vivo numa gruta, confesso fazer ocasionalmente algumas cedências à modernidade e, por vezes, adoptar o streaming, mas com alguns cuidados.
Não contente em complicar a vida no campo automóvel, também no campo da audiofilia sou fã de amplificadores a válvulas. Nada se compara à música amplificada pelo calor de umas boas válvulas com tecnologia do século passado.
Sei que esta é uma guerra perdida e que a maioria das pessoas se satisfazem com uma coluninha Bluetooth para tocar Spotify em baixa resolução. Mas, quais irredutíveis gauleses, alguns de nós resistem e continuam a apostar num bom sistema de som para ouvir música. Montar uma boa aparelhagem requer que se ultrapassem alguns obstáculos, tais como o WAF. E, pergunta-me o estimado leitor, o que quer dizer WAF? Trata-se da sigla anglófona para wife approving factor. De todos os obstáculos, este é, de longe, o mais temível, pois, até mais do que o preço, tem o poder de destruir sonhos. Imagine-se a chegar a casa com um par de colunas novas, que o encantaram pela sua qualidade sonora, apenas para descobrir que descurou a questão estética da decoração e que, sendo assim, não há lugar para elas na sala. A primeira tentação é a de ir com a cara-metade à loja de aparelhagens para, em conjunto, escolherem as novas colunas para a troca. Esta solução, aparentemente sensata, é um erro estratégico, dado que revelaria o segredo que envolve o preço das mesmas. Como qualquer audiófilo lhe dirá, nunca se confessa à nossa mulher quanto se pagou verdadeiramente pela nova aparelhagem. Um dos meus maiores medos é que, caso eu quine inesperadamente, ela venda a aparelhagem pelo preço que eu lhe disse que paguei. Se isto acontecer, haverá alguém a fazer um grande negócio.
Há outros obstáculos para quem quer montar um bom sistema sonoro. Nem vou entrar na discussão da qualidade dos cabos, pois é uma questão fracturante na comunidade audiófila e sobre a qual a doutrina se divide. Há quem jure que cabos que chegam a custar centenas de euros fazem uma grande diferença e há os que, como eu, ficam satisfeitos com cabos mais normais. O importante é montar uma boa aparelhagem e voltar a apreciar a música como ela merece.
Para os interessados, há várias boas lojas em Lisboa. Recomendo a Imacústica, na Avenida do Brasil, mas quero desde já deixar o aviso à navegação: a sua vida nunca mais será a mesma depois de uma sessão de audição naquelas excelentes salas de demonstração. Se tudo correr bem, prevejo que a curto prazo esteja a discutir a influência dos cabos na qualidade sonora. Se assim for, dou-lhe as boas-vindas ao mundo audiófilo e desejo-lhe boas audições.