Esperava que com a idade viesse a encontrar o equilíbrio e a maturidade, características que enquanto jovem imaginava serem apanágio dos mais velhos. Estava equivocado. Eis-me aqui, agora mais velho, com a sensação de que, no fundo, pouco mudou interiormente em relação à pessoa que eu era nos meus vintes. A idade é um reflexo mais exterior do que interior. São as outras pessoas, que funcionam como espelhos, que nos estão sempre a recordar de quantos anos realmente temos. Se não houvesse espelhos, saberíamos do nosso envelhecimento?
Interiormente, somos a mesma pessoa ao longo do tempo. Vamos transportando os traumas que a vida nos oferece, enquanto tentamos que isso não nos afecte. A certa altura, já não há ninguém que não seja traumatizado. Alguns aparentam uma normalidade que um escrutínio mais próximo revela ser falsa. Mantemos aquela aparência para fora, enquanto tentamos não matar a criança que habita no nosso interior. Vamos reforçando as defesas e as capas para que essa criança não seja afectada, mesmo sabendo que a defesa é impossível. E um dia descobrimos que essa criança interior já carregava também os seus traumas, que disfarçámos e negámos. É o encontro de tudo o que tentámos esconder ao longo dos anos.
Muitas das inadequações que sentimos correspondem aos medos que temos de não actuar conforme a nossa idade. Ficamos prisioneiros da apreensão de não nos comportarmos de acordo com o esperado.
Atribuímos ao avanço da idade a diminuição de algumas características. Uma delas é a criatividade. Há um preconceito em relação à capacidade criativa dos mais velhos. E, no entanto, não faltam exemplos de escritores e músicos que produziram as suas melhores obras mais tarde na vida. Sinto que nos últimos anos criei algumas das minhas melhores campanhas publicitárias. No entanto, poucas são as agências que contratam criativos mais velhos. Há a obsessão com a juventude e acabamos por ficar com criativos que não sabem comunicar para as pessoas mais velhas, pois não viveram ainda essa experiência.
A experiência é uma das maiores forças criativas. As pessoas mais experientes sabem que vão conseguir criar algo com qualidade. Já não sofrem as angústias dos jovens criadores, ainda inseguros sobre os seus talentos. A maior barreira à criatividade dos mais velhos é conseguirem abstrair-se de todas as regras que foram acumulando ao longo do tempo e criar sem esse peso. A dificuldade não é a incapacidade criativa, mas a incapacidade de nos livrarmos da bagagem mental que carregamos.
A idade traz-nos a segurança da experiência. E esse novo poder permite-nos encontrar a essência do que perdemos com o crescimento. As crianças nascem criativas. Brincam e imaginam mundos com o mais simples dos brinquedos. Todo o processo educativo serve para lhes retirar essa espontaneidade, moldando-as às necessidades da sociedade. O mundo baliza-nos e mantém uma vigilância permanente a qualquer desvio. Vamos fazendo o que se espera que façamos na idade em que nos encontramos.
Mas quando somos mais velhos podemos libertar-nos desses constrangimentos. Já não temos de provar nada a ninguém e temos uma personalidade que aprendeu a processar a crítica. A idade pode ser libertadora para uma nova era de criatividade em que voltamos a imaginar mundos a partir do nada e temos a experiência que nos garante que conseguimos materializá-los.
Com o avançar do tempo voltamos a encontrar a nossa criança interior. A acreditar nela e pedir-lhe perdão por nos termos esforçado tanto por calá-la. Nunca deixámos de ser aquele jovem que se deslumbrava com a descoberta do mundo. Apenas nos foi dito que esse comportamento já não era adequado quando nos tornámos adultos.
Temos o tempo pela frente. Tempo de libertação. Tempo de criação. Tempo de nos encontrarmos e de voltarmos a ser quem verdadeiramente éramos. O tempo que é nosso.