Não é fácil ser optimista nos tempos que correm. Os jornais e as televisões competem entre si na divulgação de notícias que têm o intuito de nos assustar. Influenciados pelo alarmismo, cada vez mais aumenta a diferença entre a realidade e a nossa percepção do mundo. Essencialmente, a realidade deixou de contar.

O círculo noticioso diminuiu ao ponto de as televisões terem de criar factos de hora a hora. A notícia da manhã já não serve à tarde. E, mesmo que estivesse errada, não há necessidade de rectificação, pois os espectadores já estarão alarmados com as notícias da tarde. Um artigo sobre o iminente terramoto em Lisboa atrai mais atenção do que uma peça sobre uma nova ala num hospital. O medo vende e, por isso, os jornais vendem medo.

Os algoritmos definem como os jornalistas devem escrever as suas histórias de modo a conseguir maior divulgação. O uso de determinadas palavras passou a ser a garantia de maior número de cliques. E nada vende mais do que o medo e a indignação.

Mas, ao mesmo tempo, é um círculo noticioso inconsequente: o ministro que torrou milhões do nosso dinheiro numa decisão irresponsável só tem de aguentar até ao dia seguinte, quando as notícias já serão outras. O matemático que previu milhares de mortes nas semanas seguintes quando a taxa de mortalidade, na verdade, acabou por cair, continua a ser convidado para debitar novas asneiras nos telejornais, sem que ninguém o confronte com as previsões erradas do passado. Tudo é superficial e inconsequente.

Já desde o 11 de Setembro que aceitámos prescindir de muitas das nossas liberdades. A pandemia só veio acelerar ainda mais essa cultura baseada no medo. Aceitámos trocar a nossa liberdade individual por uma falsa sensação de segurança. Mas mantemo-nos intranquilos, pois continuamos a ser bombardeados pelas notícias alarmistas sobre novas ameaças e vamos, por isso, cedendo cada vez mais a nossa liberdade. E vamos cedendo sem luta, com complacência, sem garantias e sem escrutínio. Vamo-nos consolando com o pensamento de que estamos bem assim, prisioneiros da ideia de que a obediência é uma virtude.

Ninguém se preocupa com as letras pequenas dos contratos de cedência, ninguém pensa nas suas consequências. Iludimo-nos, acreditando que essas cedências serão só temporárias, embora saibamos que os governos nunca restituem os direitos que subtraem. Pequenos passos que convencem as pessoas de que, com isso, estão a fazer a diferença. E nós, carentes de aceitação, vamos concordando com tudo, sem questionar.

Mais de 60% dos governos suprimiram direitos individuais de liberdade de expressão e de participação com a desculpa da pandemia. Quantos destes direitos serão restituídos num mundo onde caminhamos para o autoritarismo?

Só no último mês, o nosso Governo declarou uma cerca sanitária em Lisboa, de cuja legalidade muitos juristas duvidam, e também criou a Carta dos Direitos Digitais, que mais não é do que um instrumento de supressão da liberdade de expressão.

E, perante isto tudo, o Governo espera que nos preocupemos com o futebol.

Esta pandemia apresenta uma narrativa da qual não podemos discordar ou sequer colocar pequenas dúvidas. Embora muitas decisões tenham sido erradas, ninguém pode questionar nada sem ser censurado, ignorado e ostracizado.

Não é uma questão de conformidade, mas de submissão. Ter dúvidas não equivale a ser negacionista. Podemos duvidar das medidas e da supressão sem retorno dos nossos direitos individuais e, ao mesmo tempo, tomar medidas para combater a pandemia. Ter dúvidas é ver a censura à liberdade de expressão crescer e não achar isso normal. Ter dúvidas é questionar o acesso cada vez maior do Estado aos nossos dados e à nossa intimidade. Ter dúvidas é não querer alinhar na narrativa de “fim do mundo”, em que somos obrigados a acreditar.

Somos o sapo na panela ao lume que lentamente vai aquecendo. Dado que a subida de temperatura é muito lenta, vamo-nos habituando até ser tarde demais.