Somos ambos um povo com a mesma matriz cultural. É mais o que nos une do que aquilo que nos separa.

Nos anos 90 houve uma primeira vaga de publicitários brasileiros que vieram para as agências portuguesas. Nessa altura, a nossa publicidade era chata, quadradona e formal. Os criativos brasileiros vieram ultrapassar essas normas e tornar a publicidade mais criativa e popular. São desse tempo alguns dos melhores publicitários brasileiros, como Edson Athayde, Nelson Sinem, Luis Christello e muitos outros.

Muita da boa publicidade que ainda vemos hoje em dia deriva desse momento transformador da nossa cultura popular. Portugal ganhou sempre ao saber absorver e transformar a cultura dos que aqui vieram morar. Somos, desde sempre, um país de mistura de raças e culturas. Portugal sempre foi terra de emigrantes e imigrantes. Um português puro é uma ficção que habita nas cabeças pouco ventiladas de alguns néscios nacionalistas. Por isso, desgosta-me muito a recente onda de xenofobia em relação aos brasileiros que escolheram Portugal para viver.

Vivi muitos anos em São Paulo, onde sempre me senti muito bem recebido por todos. É verdade que levava com as anedotas de portugueses, em que nós éramos retratados como burros e ignorantes. Sempre vi isso como uma brincadeira, como uma demonstração de carinho dos brasileiros para connosco. Afinal, só brincamos com aqueles de quem gostamos e é preciso ser-se muito complexado para se ficar ofendido com isso. Respondia que a única anedota de portugueses que conhecia era o Brasil. Eles ficavam bravos, chamavam-me uns nomes e acabávamos todos a beber uns chopes e a sambar com uma caixa de fósforos num boteco qualquer. Nas sábias palavras do Mestre Martinho da Vila: “Canta canta, minha gente/ Deixa a tristeza pra lá.”

Havia nessa altura, pré-internet, um grande desconhecimento entre os brasileiros sobre Portugal e a nossa cultura. A imagem que os brasileiros ainda tinham era do imigrante que nunca tinha saído da sua aldeia até viajar para o Brasil. Mas desses imigrantes ficou sempre a imagem de gente honrada e trabalhadora.

Já aqui, em Portugal, sempre fomos acompanhando e admirando a cultura brasileira. Na música, desde a bossa nova, passando por Chico Buarque e Caetano Veloso, e pela literatura da nossa juventude, alimentada por Jorge Amado e Érico Veríssimo. Havia uma descompensação no intercâmbio cultural a favor do Brasil, embora lá tenha conhecido muitos admiradores dos livros do meu avô, o escritor Branquinho da Fonseca. Os livros dele vendiam mais lá do que cá.

Todos os portugueses deveriam conhecer o Brasil. Agostinho da Silva dizia que o Brasil era o melhor de Portugal e que um brasileiro é um português à solta. Também todos os brasileiros deveriam conhecer Portugal. O Brasil faz mais sentido quando se conhece Portugal. Somos ambos um povo com a mesma matriz cultural. É mais o que nos une do que aquilo que nos separa.

Esquecemo-nos de que o Brasil, na sua imensa extensão, tem uma diversidade social e cultural imensa. Um gaúcho tem tanto em comum com um maranhense como um paulista terá com um lisboeta. E Portugal, embora de um tamanho muito menor, também alberga mais diferenças culturais no seu território do que, muitas vezes, um estrangeiro pressupõe.

Todos temos preconceitos. A definição de preconceito ensina-nos que é uma ideia ou conceito, favorável ou não, formado antecipadamente, sem que haja necessariamente uma experiência ou verdadeiro conhecimento do sujeito. É um pré-conceito, pois é uma ideia feita que temos antes de conhecermos verdadeiramente o assunto em causa. Posto isto desta maneira, todos temos pré-conceitos. Nunca fui ao Japão (infelizmente), mas tenho várias ideias de como deve ser o país e o seu povo. Neste caso são preconceitos positivos, mas são pré-conceitos, pois não tenho experiência verdadeira com o Japão.

Por isso, contra os preconceitos, advogo um maior conhecimento mútuo. Temos muito a aprender com os brasileiros, e eles connosco. Um país isolado e adverso à integração de novas culturas é um país que definha. Saibamos bem receber os estrangeiros que connosco querem morar. Só temos a ganhar.