Nas últimas eleições presidenciais americanas, um dos candidatos democratas defendia a implementação do rendimento básico universal, que seria no valor de 1000 dólares para todos os cidadãos. A ideia em si não é nova, mas foi a primeira vez que um candidato à nomeação de um dos principais partidos a incluiu nas suas propostas.
A esquerda considera que o rendimento básico universal e a diminuição dos dias de trabalho devem ser bandeiras suas. O que a esquerda faz nestes casos é aproveitar-se de uma tendência do mundo do trabalho que está a acontecer graças à globalização e ao crescimento económico proporcionado pelas economias liberais. A passagem para uma semana de quatro dias virá de baixo para cima, e não o seu contrário. Sem a criação de riqueza não há lugar à discussão destas propostas.
Qualquer nova ideia é inicialmente criticada por todos como utópica. Depois de alterada, começa a ser defendida por candidatos mais radicais e acaba, numa versão mais suave, por ser uma ideia mainstream. É a dialéctica hegeliana (tese, antítese e síntese) em pleno funcionamento.
Em Portugal assistimos a este processo em relação à flat tax. Inicialmente foi incompreendida e bastante criticada, agora começa a ser compreendida, mas ainda não é uma ideia mainstream e acabará, de uma forma diferente, por ser aprovada, pois é o caminho que as economias mais desenvolvidas têm escolhido. Mesmo em Portugal, a taxa única já foi adoptada por este Governo de forma a atrair residentes e empreendedores estrangeiros para se fixarem cá. No fundo, é uma ideia que quem a estudou sabe que funciona, mas que os comentadores e tudólogos ainda não compreenderam e, do alto dos seus preconceitos, gostam de criticar.
Outra nova proposta radical é a semana de trabalho de quatro dias. A ideia ainda está na sua fase inicial e é criticada por todos como uma proposta muito radical. É fácil descartar esta proposta, pois ainda vemos o trabalho na sua versão século XX. No entanto, o mundo caminha para novas formas de trabalho. Desde o advento dos computadores que a grande promessa é que todos acabaríamos por trabalhar menos, pois essas novas máquinas livrar-nos-iam de grande parte dos trabalhos repetitivos. Mas não foi isso que se verificou. Os computadores vieram criar uma nova dinâmica de trabalho em que a expectativa é produzirmos mais em menos tempo. O mundo digital, longe de nos libertar, criou novos grilhões que nos mantêm acorrentados a qualquer hora e em qualquer lugar.
Temos de repensar a maneira como encaramos o trabalho. Há novas realidades que não se adaptam ao modelo clássico de relação patrão/empregado. A perspectiva de estabilidade laboral já não é apelativa para muitos jovens das novas profissões do mundo digital. O objectivo é estar algum tempo em novos projectos que lhes pareçam interessantes e, depois, sair em busca de novos desafios. Já não é o conceito de que a empresa tem algo a dar-me, mas sim de como eu vou acrescentar valor à empresa ou ao projecto. São pessoas que gostam do que fazem e por isso consideram os novos desafios como uma etapa obrigatória da sua evolução pessoal e laboral.
Face a estas mudanças, ideias como a semana de quatro dias, trabalho remoto e novas formas de vínculo laboral começam a fazer sentido.
Mesmo o rendimento básico universal será uma ideia que se tornará mainstream, pois as sociedades caminham nesse sentido. O paradoxo liberal é que a liberdade económica cria monopólios que destroem as pequenas e médias empresas e sufocam a tal liberdade que a economia liberal quer defender. Podemos aceitar esse modelo de monopólios, mas temos de dar meios às pessoas para poderem viver e encontrarem novas formas de participar na sociedade. Ainda temos o preconceito de que uma pessoa só é activa quando está empregada, mas caminhamos cada vez mais para a era da criatividade. Nesta nova era, uma ideia criativa pode transformar-se num grande negócio, mas nem toda a criatividade tem necessariamente de ser dirigida para o mundo dos negócios. Uma sociedade criativa é uma sociedade que valoriza as pessoas e a sua capacidade de criar um mundo melhor. É para aí que caminhamos. Ainda bem.