Como não gostar de Portugal? Somos um país surrealista! No meio de uma crise inflacionista e da consequente descida na cauda de desenvolvimento da Europa, o que é que o país discute? As ciclovias e a semana de quatro dias.
As ciclovias em si são um case study de maluquinhos a tomarem conta do hospício. Quem são estes militantes que engrossam as fileiras do famoso lóbi dos calções de licra? Normalmente, a avaliar pelas fotografias e pelos perfis das redes sociais, são homens (algumas mulheres) dos seus 30-40 anos de idade, com capacidade financeira para comprar bicicletas eléctricas à volta dos 2 mil euros, nas suas versões mais modestas. No fundo, uma minoria burguesa e fisicamente bem preparada. Acima dos 50 anos são já poucos os que se arriscam em cima de uma bicicleta nas temíveis ruas lisboetas, com os seus carris, piso empedrado e a sua miríade de buracos. Experimentem descer a Calçada da Estrela com o piso molhado e digam-me se não é uma experiência de olhos escancarados, dentes cerrados e suores frios. Porquê, então, todo este interesse mediático? Essencialmente, devido ao facto de o clube da licra ser de esquerda, tal como a maioria dos jornalistas. E, como sabemos, à esquerda, qualquer manife contra uma gestão de direita é logo amplificada como se um tsunâmi de protestos tivesse invadido a cidade. Costuma haver umas minimanifes, normalmente no Largo de Camões, com temas “fracturantes”, que atraem esses manifestantes experimentados. Nunca são mais de 50, mas quem lê a notícia fica com a ideia de que foi uma multidão imensa. Mesmo as fotografias aos presentes são tiradas de um ângulo fechado, para parecer que foram amplamente participadas.
Somos, cada vez mais, uma sociedade cujas políticas são decididas para corresponderem às listas de compras de grupos de pressão, sem que se pense muito nas consequências dessas decisões. Na governação com base em focus groups, os políticos satisfazem as minorias ruidosas e afastam-se das soluções de longo prazo que beneficiariam a maioria da população. Neste caso das ciclovias, houve muitos protestos por causa da ausência de estudos que sustentem a remoção das mesmas. Quando foram construídas também não houve estudos, mas esse pormenor não pareceu incomodar o lóbi das bicicletas. Boa parte das ciclovias são feitas de qualquer maneira, dentro da lógica de mostrar obra feita. A da Almirante Reis é uma complicação para a qual não há boas soluções. A população da zona votou contra o partido que defendia a sua manutenção mas, mesmo assim, os lobistas das bicicletas acham que a maioria está errada e que lhes cabe a missão divina de educar a populaça ignorante no novo modo de vida, que eles elegeram como sendo o melhor para todos. São os amanhãs que cantam em versão selim e tofu. É o totalitarismo disfarçado de modernidade. O executivo camarário anterior impôs as ciclovias à população sem que tivesse havido qualquer tipo de consulta e acabámos com ciclovias mal concebidas, onde raramente passa alguém. Experimentem passar na Avenida Lusíada e verão.
Cada vez mais acabamos vítimas de grupos de pressão ruidosos apoiados pela imprensa. Há um certo desprezo dessa gente pela maioria da população, que muitas vezes mora longe e depende do transporte particular para fazer face às deslocações do seu dia-a-dia. Nem todos podem dar-se ao luxo de andar de bicicleta eléctrica e entrar e sair dos empregos a horas normais. Experimentem depender dos transportes públicos, com as constantes greves, e vão ver que a solução de vir em carro próprio começa a fazer sentido. O desprezo pelas dificuldades da maioria da população revela bem o elitismo destes grupos.
Temos de mudar o paradigma dos transportes dentro das cidades? Sim. A bicicleta é a solução para todos? Não. Deveria, pois, haver mais diálogo entre as partes, mas cada vez mais se radicalizam posições e o que transparece é a incapacidade de querer entender as necessidades de ambas as partes.